segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

"O Meu Mundo não é deste Reino" - João de Melo




Um dos escritores nacionais que muito já tinha ouvido falar mas que nunca tinha lido, era João de Melo.
João de Melo, nasceu nos Açores mas veio ainda criança estudar para o Continente, começou igualmente também muito cedo a escrever, publicou o seu primeiro conto aos 18 anos e partir daí nunca mais deixou de estar ligado à escrita, esteve em Angola durante a guerra colonial (escreveu um livro sobre essa sua experiência de guerra) e é um dos mais activos divulgadores da cultura Açoriana.
"O Meu Mundo não é deste Reino", foi o seu primeiro livro, editado em 1983, já vai na 8ª edição, edição essa que foi toda revista e reescrita pelo autor, e foi essa edição que li.
Assim de repente, posso adiantar que foi o livro mais bonito que li este ano, a par do "Stoner", de John Williams, foi o que eu mais gostei de ler.
O livro como não será de estranhar é passado nos Açores, mais propriamente na ilha de São Miguel, numa freguesia do Nordeste e conta-nos a história dessa freguesia deste a descoberta da ilha e respetivo povoamento até provavelmente aos anos 50 do século XX, apesar da ação principal se situar desde o fim do século XIX até como atrás disse aos anos 50 do século XX.
João de Melo mostra-nos num tom quase místico, melancólico a vida dura dos Açores, o isolamento, a luta contra a natureza, com os vulcões, os terramotos, as tempestades, mostra-nos também a pobreza extrema das populações, as difíceis condições de vida, quase como se fossem náufragos, onde se vivia uma vida inteira sem se sair da freguesia, onde o outro lado da ilha era quase tão longe como o outro lado do mundo, fala-nos também das tradições, da cultura (e falta dela) dos Açores.
A ação propriamente dita, começa com a chegada do padre Governo à freguesia, ainda jovem e idealista e conta-nos a vida de uma série de personagens da freguesia desde esse momento até à morte do padre muitos anos mais tarde.
Temos então o padre, um curandeiro, uma espécie de mendigo/Messias, um regedor tirano, um agricultor pobre com a sua mulher e filhos, ou seja uma profusão de personagens com contornos um tanto ou quanto fantásticos, cujas vidas se entrelaçam numa série de acontecimentos e que tornam o particular no geral.
Neste livro também há uma série de acontecimentos fantásticos como os 99 dias de chuva seguida sem parar, o milagre da primeira missa, a ressurreição de João Lázaro ou o dia em que se viu a outra face do sol, tudo isto são ingredientes que no fim têm como resultado este livro fabuloso, bem ao estilo do realismo mágico sul americano. Para além de tudo isto há também a crítica social, a exploração dos pobres feita pelos grande agricultores, a ausência de organismos estatais que permitiam os excessos e essa exploração dos mais pobres, o analfabetismo das populações, e a crença excessiva na igreja.
Este livro a mim também me diz mais alguma coisa porque vivi nos Açores (ilha do Faial) durante dois anos e já lá estive diversas vezes depois disso e tenho o privilégio de conhecer a mística Açoriana e a insularidade.
Já tenho outro livro dele "Gente Feliz com Lágrimas", o mais conhecido em fila de espera para ler.


domingo, 6 de dezembro de 2015

"Desmobilizados" - Phil Klay


Este é o primeiro livro de Phil Klay, e que livro!!!
"Desmobilizados", tal como o título indica é sobre a guerra, mais propriamente sobre os soldados que lá combateram e o seu regresso à vida "normal".
O autor escrevendo com muito conhecimento de causa, foi soldado nos "Marines" (Fuzileiros) Norte-Americanos, combateu no Iraque em 2007 e 2008, viveu muito de perto a guerra, a vida militar, toda a sua orgânica, sentiu e viu toda a espécie de sentimentos e acontecimentos a que um soldado pode estar sujeito num teatro de operações difícil como foi o Iraque e depois após a sua desmobilização, o regresso a um mundo civil e familiar que nunca mais será visto com os mesmos olhos.
Este livro é composto por doze contos, todos eles diferentes abrangendo um leque variado de situações, tanto no teatro de operações, como por exemplo no conto "OIF", onde de uma forma irónica e através das siglas utilizadas pelos "Marines" se mostra a burocracia da guerra, ou do conto "Oração na Fornalha", onde se mostra através dos olhos do Capelão de uma unidade de "Marines" a violência de alguns soldados e a expiação dessa mesma violência, como na difícil integração e regresso à vida civil e familiar, sendo logo exemplo disso o primeiro conto "Fim de Missão" (publicado pela revista GRANTA americana), que nos mostra através da ligação do soldado com o seu cão de estimação a reaprendizagem da vida doméstica, ou do conto "Histórias de Guerra" que traz-nos um soldado ferido e desfigurado e a sua alegria de viver apesar da sua condição, ou também o conto "O Dinheiro Como Arma", que nos mostra a guerra vista pelo lado de um civil integrado numa ONG e as respectivas "negociatas" e corrupção existente no Iraque para a sua "reconstrução".
Apesar de algumas partes mais violentas, o livro lê-se bastante bem, os contos não são muito extensos mas agarram-nos à sua leitura, são muito bem escritos, como é provado pela série de prémios literários inclusive o "National Book Award"  que Phil Klay recebeu após a sua publicação.
Este livro foi editado pela nova chancela da editora 20/20, "Elsinore", que tem lançado uma série de livros de qualidade e com um aspeto gráfico muito apelativo.