quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Estepe - Anton Tchékhov


Terminei hoje de ler hoje mais um "pequeno grande livro" que é este "A Estepe" do escritor russo Anton Tchékhov.
Antón Tchékov é a par de Dostoievski, Tolstoi e Gogol um dos maiores escritores russos, mas que ficou mais conhecido devido aos seus contos e às suas peças de teatro, como já referi neste blog sobre outro livro que já li dele.
"A Estepe", não é um conto, mas também não é um romance, é um pequeno livro que nos traz a estória do jovem Iegoruchka que juntamente com o seu tio Ivan Ivanytch Kuzmitchoff, com o padre Cristóvão Siriiski e o cocheiro Deniska e depois noutra fase com um grupo de trabalhadores rurais que conduziam um comboio de carruagens a cavalo com mercadorias para vender faz uma viagem pela estepe russa.
O jovem Iegoruchka, filho da irmã viuva de Kuzmitchoff, acompanha-o mais ao padre Siriiski numa viagem de negócios que ambos fazem para vender lã a uma grande cidade, para depois ficar nessa cidade entregue a uma amiga da sua mãe e entrar num liceu para estudar e assim atravessando a grande estepe russa pela primeira vez.
Nessa viagem Iegoruchka fica impressionado com o ambiente e paisagem à sua volta que lhe desperta curiosidade, passando por aldeias, campos, moinhos e estalagens, conhecendo também outras pessoas que nunca antes tinha visto.
A certa altura devido a negócios o tio de Iegoruchka tem de fazer um desvio para encontrar um rico senhor a quem lhe vai vender mercadorias e entrega o rapaz a um grupo que ia integrado num comboio carruagens a cavalo que se dirigiam para a cidade.
Nesse grupo Iegoruckha conhece várias pessoas, com várias idades e feitios e conhece o que é a vida dura do campo e da estepe, continua a passar por várias povoações, enfrenta uma tempestade até que chega ao destino e se junta novamente ao seu tio e ao padre, para logo de seguida ficar entregue aos cuidados da amiga de sua mãe enquanto estiver a estudar nessa cidade.
Tchékhov, com esta pequena estória e através dos olhos de um jovem, faz mais uma vez um retrato fiel e cru da realidade russa da sua época, retrata a vida difícil dos mais pobres e a grande riqueza dos mais ricos, mas ao mesmo tempo mostra-nos a grande beleza e imensidão da estepe russa, a vida selvagem e as adversidades que sofre quem lá vive e trabalha, sendo a estepe na realidade a personagem principal nesta estória.
Esta viagem é também para o jovem Iegoruckha uma espécie de ritual de passagem da adolescência para a vida adulta, em que ele de momento para outro deixa de ser uma criança protegida pela sua mãe e tio para se desenvencilhar sozinho numa grande cidade onde não conhece ninguém.
Lê-se extremamente bem este livro, (li a edição da coleção "Não Nobel" do jornal Público), tem uma linguagem acessível, é pequeno e apenas os nomes das pessoas é que são mais difíceis de ler.
Gostei bastante.

terça-feira, 17 de maio de 2011

O Livro dos Homens Sem Luz - João Tordo


João Tordo, jovem escritor português que fez furor com o seu livro "O Bom Inverno", traz-nos neste seu primeiro livro uma obra muito boa e com a sua escrita "negra" já bastante demarcada.
"O Livro dos Homens Sem Luz", explora a solidão humana, a decadência do Homem e a loucura. Está construido com quatro capítulos, com estórias diferentes e separadas no tempo, que aparentemente nada têm umas a ver com outras.
Sendo assim na primeira estória temos um homem que perde a família e que se vê depois disso a trabalhar como uma espécie de "detective privado", seguindo diversas pessoas e fazendo relatórios para um homem misterioso, depois temos um casal que durante a II Guerra Mundial aquando da destruição da sua casa por uma bomba alemã fica preso na cave do prédio, sem luz e por um prolongado periodo de tempo e cuja reacção e forma de responder a esse acontecimento é totalmente diferente de um para o outro, de seguida é a estória de um jovem ex-estudante que trabalha numa biblioteca e que sofre de insónias devido ao seu misterioso vizinho do lado e por último, regressamos ao casal que ficou soterrado, principalmente ao homem e vêmos o que lhe aconteceu depois de ser resgatado.
Apesar de estas estórias aparentemente serem independentes umas das outras, estão interligadas através das personagens e as suas vidas cruzam-se umas com as outras criando uma teia de acontecimentos que por fim se juntam para o fim da meada.
Como atrás disse, a escrita de João Tordo é uma escrita negra, e nota-se tal como diz na contra-capa do livro, "uns ecos de Kafka e Paul Auster", sendo mesmo a primeira estória muito semelhante à primeira estória da "Trilogia de Nova Iorque" de Auster. O João Tordo cria também situações e ambientes que de tão opressivas e deprimentes, lembram sem dúvida Kafka, juntamente com um pouco de realismo mágico.
Apesar da ligeira semelhança ou lembrança de outros livros e autores que este livro me trouxe (Trilogia de Nova Iorque de Auster, 2666 de Bolano e até mesmo o Marina de Zafón), gostei bastante, aliás gostei mais deste livro do que do "O Bom Inverno".
Sem dúvida que João Tordo juntamente com Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto e Walter Hugo Mãe, é um dos melhores jovens escritores portugueses da actualidade e de certeza que irá dar que falar no futuro.
Nuno

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Viagem Ao Fim da Noite - Louis Ferdinand Céline


Bom se há autores controversos e incompreendidos, Céline é de certeza um deles!
Louis-Ferdinand Céline, francês foi sem dúvida um escritor que muito deu de falar, tanto em França como no resto do mundo, sendo primeiramente admirado e considerado por todos como um génio e depois devido às suas opiniões anti-semitas e suposta colaboração com os alemães durante a II Guerra Mundial, caiu em desgraça e foi posto de parte durante muitos anos, sendo a sua obra redescoberta apenas recentemente.
Este post não é para falar de Céline nem das suas ideias ou ideais políticos, porque há muita ambiguidade e controvérsia acerca disso e a mim apenas me interessa o Céline escritor e particularmente este seu livro, considerado por muitos como um dos melhores livros do séc. XX.
Além disso, para quem estiver interessado acerca de Céline este livro também traz uma pequena biografia dele escrita por Aníbal Fernandes, que é ao mesmo tempo o tradutor desta edição do "Viagem Ao Fim Da Noite" e um dos maiores investigadores/impulsionadores da sua obra em Portugal.
Este livro, traz-nos a estória de parte da vida Ferdinand Bardamu e com ela mostra-nos um retrato cruel das pessoas e da sociedade do princípio do séc. XX.
A estória começa então com Bardamu um jovem estudante de medicina que num impulso se voluntaria para o exercito para ir combater na I Guerra Mundial, a partir daí Céline através de Bardamu começa logo a traçar um retrato negro da humanidade, com a guerra, o porquê da guerra, a questão do patriotismo e a vida dos soldados que por tudo e por nada eram castigados e até fuzilados.
Num destes episódios da guerra, Badamu encontra-se pela primeira vez com Robinson, personagem que o vai acompanhar durante a vida e até mesmo condicioná-la como se verá depois no livro. Entretanto Bardamu é ferido e regressa a Paris, onde no hospital conhece uma enfermeira americana com quem tem um relacionamento e que devido a ela também, lhe nasce a vontade de ir para os Estados Unidos.
Mas como ele recupera, tem de voltar novamente para a frente da guerra e como ele não quer regressar, faz-se de doente e é novamente internado.
Depois de ser internado e ser dado como inapto para voltar à guerra, decide ir para as colónias de África, mas tudo lhe corre mal logo desde o embarque no navio que o leva a África, cujos restantes passageiros, militares, comerciantes, funcionários governamentais e respectivas esposas, lhe ganham um ódio sem qualquer razão aparente e ele decide fugir, num porto onde o navio fez escala.
Em África também não tem sorte, a vida é miserável, as condições são extremas, os europeus são pessoas viciadas, más, vingativas e corruptas, vencidas pelas doenças tropicais e sem escrúpulos nenhuns.
Bardamu é colocado num entreposto de uma companhia comercial, na selva isolado, onde vai substituir o antigo responsável por esse entreposto que é Robinson. Mas Bardamu não aguenta o isolamento, a doença, o mal-estar e resolve fugir, doente é levado por uma série de nativos a uma povoação que já é pertença de uma colónia espanhola.
Aí é entregue a um padre que o "vende" a um navio para lá trabalhar, no navio recupera e começa a trabalhar até que, ironia do destino, esse navio o leva aos Estados Unidos.
Ao aperceber-se que está nos Estados Unidos foge, mas depressa descobre que afinal os Estados Unidos não são a "terra prometida". Durante a sua estadia lá, Bardamu reencontra a sua antiga namorada americana de Paris e também Robinson. É também nessa estadia que conhece a única mulher que o ama de verdade e o trata bem, mas Bardamu farta-se dos Estados Unidos e regressa a França onde termina os estudos de medicina e se estabelece como médico nos subúrbios de Paris.
Nesta parte do livro, Céline mostra bem como a vida era em França, a pobreza extrema, as más condições, a falta de higiene, a mesquinhez das pessoas, o alcoolismo, enfim toda uma panóplia de coisas que transformam as pessoas em seres maus, quase animais e prontos a destruirem-se umas às outras.
É nesta fase que se dá o regresso de Robinson e a sua presença mais regular na vida de Bardamu e que vai influenciar todas as suas decisões, atingindo o clímax que irá ser o fim do livro.
Este livro é de facto uma viagem ao fim da noite, mas a noite representa a alma humana, a sua podridão, a sua mesquinhez, o aproveitamento dos mais fracos pelos mais fortes, é um livro intenso, com uma leitura "pesada", com passagens fortes que mostra a condição humana na sua face mais baixa.
Polémicas à parte é um excelente livro e que deve de ser lido, não deve ser esquecido ou posto de parte devido ao seu autor, porque aqui o que está em causa não é a pessoa mas a sua obra, e neste caso a obra é imensa.
Entretanto os meus parabéns à Ulisseia (Babel) e ao Aníbal Fernandes, por nos estarem a trazer ao público português a obra de Céline, pena haver tantos e tão bons autores que continuam esquecidos das editoras portuguesas que preferem editar literatura de "hipermercado" aos grandes autores internacionais e também nacionais, mas isso é outro assunto que não é para aqui chamado.
Nuno